"O arcanjo Rafael que aparece a Tobias, disfarçado e sem asas, transformou-se no símbolo do anjo da guarda que nos ajuda nos perigos quotidianos da vida, nos protege nas viagens e na solidão, nos defende das fantasias demoníacas, traz consigo o frasco dos remédios materiais e espirituais e nos indica a estrada misteriosa do céu."
Pietro Citati, Israel e o Islão - As Centelhas de Deus, Livros Cotovia
Tobias e o Anjo
"O
Livro de Tobias é um livro modesto, tal como Rafael é um Anjo modesto.
Nunca ostentará as suas asas soberbamente coloridas. Em toda a nossa
história comporta-se como um anjo disfarçado: como um servo avisado,
inteligente e condescendente, pronto a ajudar Tobias nos perigos da
estrada. Qualquer vestígio de divino parece muito remoto.
Começa
a viagem, Tobias parte, juntamente com o seu anjo, seguido pelo cão. Na
primeira noite, os viajantes param para descansar junto do rio Tigre.
Quando Tobias mete os pés na água, um grande peixe tenta devorá-lo: a
eterna ameaça, a angústia do caos e do abismo que os hebreus sentiam
face às águas do mundo. Mas Rafael intervém e ensina a arte subtil de
transformar o mal em bem. Tobias deve, para começar, capturar o peixe,
depois assá-lo e comer a sua carne. Em seguida, o coração e o fígado
servirão para curar os endemoninhados e o fel para devolver a vista aos
cegos. Assim, o anjo transforma-se: o anjinho disfarçado transforma-se
no herdeiro de Hermes, o grande deus mago grego, que tinha dado a
Ulisses a erva moly para salvá-lo dos perigos de Circe. No paganismo
grego tardio existia uma magia baseada nos peixes - a ictiomância de que
Apuleio é acusado. Também Rafael é um ictiomante: feiticeiro,
demonólogo e farmacólogo, transforma a magia negra em magia branca, a
arte negativa em arte positiva e ensina-nos a usar o corpo de uma
criatura perversa para nos salvarmos dos demónios e das doenças."