10/04/19


CONTAMINAÇÃO CRÓNICA POR GLIFOSATO EM PORTUGAL
100% de contaminação com esta substância cancerígena
 A Plataforma Transgénicos Fora lançou uma iniciativa em 2018 para testar a presença de glifosato em voluntários portugueses. As análises, realizadas em julho e em outubro com o mesmo grupo, demonstram uma exposição recorrente ao herbicida e apontam para uma contaminação generalizada por glifosato em Portugal.
Pela primeira vez em Portugal foi possível calcular os valores de exposição efetiva ao glifosato (que levam também em consideração o AMPA - substância em que o glifosato se transforma quando começa a degradar-se) e os resultados, quando comparados com outros países europeus,(1) mostram uma diferença preocupante: enquanto que na média de 18 países se verifica que 50% das amostras estão contaminadas, as duas rondas de testes em Portugal estavam acima desse valor – e em outubro a contaminação foi detetada em 100% das amostras, tal como apresentado na imagem abaixo.

O glifosato é o herbicida mais usado em Portugal e causa cancro em animais de laboratório, estando classificado pela Organização Mundial de Saúde como carcinogéneo provável para o ser humano.(2) Embora a Comissão Europeia tenha chegado a conclusão diferente, informações recentes mostram que essa avaliação científica resultou de graves conflitos de interesses, ao ponto de plagiar sistematicamente os pontos de vista da indústria.(3)
O valor médio da contaminação das amostras foi de 0,35 ng/ml em julho (valor mais alto: 1.39 ng/ml) e de 0,31 ng/ml em outubro (valor mais alto: 1,20 ng/ml), o que é cerca de três vezes (300%) acima do limite legal na água de consumo.(4) Considerando apenas as crianças verifica-se que em julho estavam próximo da média, enquanto que em outubro estavam claramente acima (com 0,44 ng/ml). O facto de existir uma contaminação considerável em crianças já tinha sido detetado em 2016(5) e é um sinal de alerta para a necessidade de conhecer melhor qual a exposição real da população portuguesa em termos de estratificação etária, ao longo do tempo e nos diferentes pontos do país.
Contaminação permanente
Tanto quanto se sabe a maior parte do glifosato ingerido ou inalado pelo organismo é excretado pela urina em menos de um dia. Isso significa que a contaminação detetada na segunda ronda de análises provém de novos contactos com o herbicida. Quando se deteta contaminação ao longo do tempo isso significa que houve exposição sucessiva do organismo – ou seja, há glifosato a recontaminar constantemente a população portuguesa.
Os voluntários de 2016 e de 2018 revelam dimensões diferentes da população nacional. Em 2016 anos houve uma amostragem tão aleatória quanto possível: nenhum dos voluntários escolhidos consumia agricultura biológica ou estava ligado a alguma corrente ou preocupação particular com a alimentação. Já em 2018 os participantes inscreveram-se por iniciativa própria e tiveram de pagar o custo da 1a análise (78.20€). Cerca de 80% dos inscritos identificaram-se como consumidores de alimentos biológicos com alguma regularidade.
Em termos de resultados os participantes de 2016 estavam significativamente mais contaminados, o que aponta para um possível efeito protetor nos consumidores de agricultura biológica. Por outro lado a alimentação não é o único veículo de contaminação: a água e o ar são fontes igualmente relevantes e a época do ano também tem influência (usa-se mais glifosato no início da primavera, precisamente a altura em que as análises de 2016 tiveram lugar).
A coordenadora da campanha Autarquias Sem Glifosato/Herbicidas, Dra. Alexandra Azevedo, alerta: "Tivemos conhecimento de análises em águas superficiais na bacia do rio Douro que revelam contaminação 70 vezes acima do limite máximo legal. Ainda há autarquias que lavam as ruas com glifosato mas já há outras que abandonaram os herbicidas e provam no terreno que as alternativas existem."(6)
A bióloga Margarida Silva, da Plataforma Transgénicos Fora, lembra: "A ciência mais recente mostra que o glifosato altera profundamente a composição do nosso microbiota gastrointestinal. Quando esse equilíbrio fica comprometido podem surgir doenças graves, desde diabetes tipo 2 a aterosclerose, a obesidade e até cancro. Que mais evidências são necessárias para que o governo cumpra a sua função de proteger a nossa saúde?"
Apelo ao governo
É verdade que o trabalho realizado pela Plataforma Transgénicos Fora não permite retirar conclusões finais, mas o peso das evidências não pode ser ignorado. Desde 2016, em que a Plataforma mostrou pela primeira vez que a situação portuguesa era inesperadamente preocupante, não foram ainda tomadas pelos responsáveis governamentais quaisquer medidas que permitam desvendar o que se passa de facto no país e iniciar um caminho de redução do uso dos herbicidas à base de glifosato.
Neste contexto, a Plataforma Transgénicos Fora apela ao Governo Português para:
1. Lançar um estudo abrangente sobre a exposição dos portugueses ao glifosato.
2. Proibir a venda de herbicidas à base de glifosato para usos não profissionais.
3. Tornar obrigatória a análise ao glifosato na água de consumo.
4. Acabar com o uso de herbicidas sintéticos na limpeza urbana.

5. Apoiar os agricultores na transição para uma agricultura pós-glifosato nos próximos anos.
Como proteger-se do glifosato e seus efeitos
A Plataforma Transgénicos Fora divulga também hoje um documento com sugestões detalhadas para quem estiver interessado em limitar a sua exposição ao glifosato. O documento pode ser descarregado em https://tinyurl.com/pistas2019
Referências
(1) Hoppe, H-W. (2013). Determination of Glyphosate residues in human urine samples from 18 European countries. Report Glyphosate MLHB-2013-06- 06. Medical Laboratory Bremen, Haferwende 12, 28357 Bremen, Alemanha, 12 de junho. https://tinyurl.com/hoppe2013
(2) Guyton, Kathryn Z., et al. (2015). "Carcinogenicity of tetrachlorvinphos, parathion, malathion, diazinon, and glyphosate." The Lancet Oncology 16.5: 490-491.
(3) Ferreira, Ana B. (2019). Glifosato. Especialistas contratados pela UE copiaram relatórios da Monsanto. Diário de Notícias, 15 de Janeiro. https://tinyurl.com/yblgc2kf
(4) O limite imposto pela Directiva 98/83/CE do Conselho de 3 de novembro de 1998 relativa à qualidade da água destinada ao consumo humano é de 0,1 ng/ml.
(5) Plataforma Transgénicos Fora (2016). Glifosato: o herbicida que contamina Portugal. 29 de abril. https://tinyurl.com/glifosato2016portugal
(6) O mapa das autarquias que aderiram ao compromisso de não usar glifosato e outros herbicidas está em https://tinyurl.com/autarquiasmapaglifosato
A Plataforma Transgénicos Fora é uma estrutura composta por voluntárias/os que oferecem o seu tempo para uma luta que é de todos. São estas as entidades não-governamentais da área do ambiente e agricultura que apoiam formalmente o trabalho da Plataforma: AEPGA, Associação para o Estudo e Proteção do Gado Asinino; CAMPO ABERTO, Associação de Defesa do Ambiente; CNA, Confederação Nacional da Agricultura; CPADA, Confederação Portuguesa das Associações de Defesa do Ambiente; GAIA, Grupo de Ação e Intervenção Ambiental; GEOTA, Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente; LPN, Liga para a Proteção da Natureza; MPI, Movimento Pró-Informação para a Cidadania e Ambiente; PALOMBAR, Associação de Conservação da Natureza e do Património Rural; QUERCUS, Associação Nacional de Conservação da Natureza e ZERO, Associação Sistema Terrestre Sustentável. Contactos: info@stopogm.net e www.stopogm.net


ALGUMAS PISTAS PARA REDUZIR
 A EXPOSIÇÃO AOS HERBICIDAS À BASE DE GLIFOSATO
(e ajudar o organismo a lidar com o que entrar)
Neste documento encontra alguns conselhos que irão ajudar a reduzir a exposição e impacto do glifosato. Esta lista não é exaustiva, nem é preciso fazer tudo o que está indicado para receber benefícios. Basta escolher alguns dos itens – os que pode incorporar no seu dia-a-dia desde já sem dificuldade – e depois ao longo do tempo tentar introduzir mais algumas mudanças. Como não há limiar de segurança, qualquer passo na direção certa já vale a pena.
O glifosato pode ser inalado (quando é pulverizado em ruas ou jardins, por exemplo) ou ingerido (através da comida, água ou, por exemplo quando uma criança brinca em áreas previamente tratadas e leva as mãos à boca). O glifosato, depois de aplicado, está presente nas folhas, sementes, frutas e até na carne. Os resíduos não se removem com lavagem nem se degradam durante o processamento alimentar (por exemplo, ao ferver os alimentos). Na verdade não desaparecem sequer ao fim de um ano em alimentos congelados ou desidratados.1
💥 Não use herbicidas como o Roundup. O Roundup é o herbicida à base de glifosato mais conhecido, e vende-se livremente nos supermercados. Mas muitos outros herbicidas têm glifosato na sua composição – assim como outras substâncias igualmente nocivas. Por isso a regra é simples: o melhor glifosato é aquele que não é usado.
Se quiser ir mais longe: deixe também de usar inseticidas, fungicidas... pesticidas sintéticos em geral, seja em casa, na horta ou no jardim.
💥 Se mora em zonas rurais, afaste-se ou mantenha-se dentro de casa com janelas fechadas enquanto algum vizinho estiver a pulverizar pesticidas. O glifosato é particularmente tóxico se for adquirido através da inalação.2
Se quiser ir mais longe: converse com os seus vizinhos que usam pesticidas e ajude-os a encontrar alternativas economicamente viáveis que sejam também compatíveis com a saúde e o ambiente.
💥 Lave as mãos antes de comer e depois de jardinar ou brincar/passear em parques ou outras zonas públicas de lazer. Algumas autarquias portuguesas não aplicam herbicidas (veja lista em https://tinyurl.com/quercusglifosato) mas infelizmente a maioria ainda usa (e a maioria das que usam... usa glifosato).
Se quiser ir mais longe: pergunte à sua câmara municipal porque é que ainda não abandonou os herbicidas sintéticos na limpeza de espaços públicos (se for o caso). Esses químicos, de acordo com a Lei 26/2013, só podem ser empregues em último recurso ("Em zonas urbanas e de lazer só devem ser utilizados produtos fitofarmacêuticos quando não existam outras alternativas viáveis, nomeadamente meios de combate mecânicos e biológicos.").
💥 Quando entra em casa, descalce os sapatos e mude para calçado de interior. Ou seja, separe o calçado que vai à rua do que usa em casa. Assim alguma contaminação que vier agarrada às solas não passa da porta.
💥 Na medida do possível aumente o consumo de alimentos produzidos por agricultura biológica certificada. Este modo de produção não permite o recurso a pesticidas químicos de síntese, o que inclui o glifosato. Embora exista por vezes contaminação residual (até a água da chuva pode transportar glifosato) as evidências apontam para uma carga química muito inferior nos produtos bio. De facto, a transição de uma dieta convencional para uma biológica (ou seja, em que pelo menos 80% dos alimentos são de origem biológica) reduz cerca de 90% da exposição aos pesticidas (em apenas uma semana).3
💥 No caso dos alimentos de origem animal (carne, leite, ovos e derivados), se não tem acesso a pecuária biológica, escolha opções em que os animais vivem ao ar livre e com acesso a pastagens, ou seja, em que a alimentação não é à base de rações. Em Portugal os principais ingredientes das rações animais são OGM (organismos geneticamente modificados, também conhecidos por transgénicos). Os OGM são, na sua maioria, tolerantes ao glifosato. Isso significa que, contrariamente às culturas convencionais, o glifosato é aplicado ao longo do ciclo de crescimento das plantas: é inevitável que o produto final acabe por apresentar doses de herbicida muito significativas.
Os OGM não são usados apenas para rações. Em Portugal vale a pena ler os rótulos: se mencionar "soja geneticamente modificada" ou "milho geneticamente modificado" é melhor não comprar. Alguns OGM não levam glifosato mas como a rotulagem não diferencia, a única forma de evitar o acréscimo de glifosato é evitar todos os OGM. Atualmente os OGM encontram-se sobretudo na secção dos óleos alimentares.
💥 Modere o consumo de pão, batatas e cereais não biológicos (quer sejam integrais ou refinados). Vários estudos laboratoriais têm comprovado a presença regular de glifosato nestes alimentos, mesmo não sendo transgénicos.4
Se quiser ir mais longe: pergunte ao supermercado ou marca alimentar da sua preferência se as batatas e os cereais (trigo, aveia, arroz, milho, e seus derivados) que leva para casa foram pulverizados com herbicida previamente à sua colheita. Esta prática (conhecida por dessecação) está autorizada em Portugal na batateira e muitos países permitem-na em culturas cerealíferas. Como os cereais formam de facto a base da alimentação (farinhas, pão e broa, massas, flocos de aveia, papas infantis, corn flakes e cereais de pequeno almoço, arroz sob todas as formas, etc), a dessecação é das principais responsáveis pela presença de glifosato na alimentação.
💥 Cozinhe em casa com alimentos em que possa ter confiança. Comer fora, em cantinas ou restaurantes, significa ter pouco ou nenhum controle sobre os ingredientes que lhe chegam ao prato. Se estiver fora à hora da refeição talvez possa organizar o dia de modo a levar consigo a sua marmita quando sai de casa.
Se quiser ir mais longe: embora nem todos consigam, é possível para muitos cultivar uma pequena horta. Seja na varanda, ou em vasos à janela, vale a pena produzir algumas das plantas que consome – e neste caso tem 100% de certeza que não foram usados quaisquer herbicidas.
💥  O glifosato consegue matar as plantas porque se liga ao manganês, um elemento metálico existente na Natureza. Esta reação (que faz com que o glifosato seja conhecido como "agente quelante") efetivamente reduz o teor de manganês disponível para as reações químicas normais das células vegetais, que acabam por morrer.5 Mas as células humanas também precisam desse elemento logo faz sentido incluir regularmente na sua alimentação produtos ricos em manganês, como batata-doce, frutos oleaginosos, grão-de-bico e sementes, entre outros. 
 
 💥 Embora não seja usado comercialmente como antibiótico, o glifosato tem essa característica (descrita na própria patente).6 Também se sabe que o glifosato aumenta a resistência dos micróbios a outros antibióticos.7 Por isso é sensato incluir alimentos probióticos na alimentação, nomeadamente alimentos fermentados (iogurte simples, chucrute, picles, kombucha, miso... sobretudo se não forem aquecidos ou pasteurizados).
💥 A glutationa é uma molécula com função antioxidante muito importante para o organismo humano.8 Se não existir glutationa suficiente as células e tecidos podem sofrer danos devido ao glifosato. Para potenciar a produção de glutationa pelo organismo deve comer alimentos ricos em enxofre tais como alhos, cebolas e crucíferas (couves, nabos e demais hortícolas desta família). Também alimentos ricos em soro de leite, como o requeijão, contribuem para facilitar a síntese de glutationa.
Se quiser ir mais longe: use diariamente curcuma, ou caril à base de curcuma, na alimentação. Estas especiarias indianas têm muitas outras vantagens para a saúde, por isso os benefícios são múltiplos.
💥 Ninguém pode passar sem água. Mas em Portugal não é obrigatório, para já, analisar a água da rede pública ou a água engarrafada para se saber quanto glifosato contém. No entanto existem regras: segundo a Diretiva 98/83/CE a concentração de glifosato não pode ultrapassar os 0.1 ng/ml (nanogramas por mililitro) na água de beber. Vale por isso a pena perguntar à sua câmara ou serviço municipal, num email simples, se a água que lhe chega a casa cumpre esse limite. Normalmente não lhes cabe a eles fazer esta análise, mas é certamente da sua responsabilidade preocupar-se com o problema e informar o público a esse respeito.
Como o glifosato é excretado pelos rins, beber bastante água diariamente vai ajudar a removê-lo do organismo. Mas claro, a água não pode ser ela própria uma fonte de contaminação.
Se quiser ir mais longe: insista junto dos responsáveis camarários para que exijam à entidade responsável pela gestão da água em alta a realização das análises e publicação dos resultados. O trabalho tem de ser ser feito por laboratório acreditado, em diferentes meses (o uso do glifosato não é uniforme ao longo do ano), em cada uma das captações de água e abranger também o AMPA (a substância em que o glifosato se transforma quando se degrada).
Referências
1. Krüger, Monika, et al. "Detection of glyphosate residues in animals and humans." Journal of Environmental & Analytical Toxicology 4.2 (2014): 1.
2. Koller, Verena J., et al. "Cytotoxic and DNA-damaging properties of glyphosate and Roundup in human-derived buccal epithelial cells." Archives of toxicology 86.5 (2012): 805- 813.
3. Oates, Liza, et al. "Reduction in urinary organophosphate pesticide metabolites in adults after a week-long organic diet."Environmental research 132 (2014): 105-111.
4. Myers, John Peterson, et al. "Concerns over use of glyphosate-based herbicides and risks associated with exposures: a consensus statement." Environmental Health15.1 (2016): 19.
5. Shehata, Awad A., et al. "The effect of glyphosate on potential pathogens and beneficial members of poultry microbiota in vitro." Current microbiology 66.4 (2013): 350-358
6. https://gmoanswers.com/ask/why-did-monsanto-patent-glyphosate-antibiotic-also- medical-establishment-has-been-preaching
7. Kurenbach, Brigitta, et al. "Herbicide ingredients change Salmonella enterica sv. Typhimurium and Escherichia coli antibiotic responses." Microbiology 163.12 (2017): 1791- 1801.
8. El-Shenawy, Nahla S. "Oxidative stress responses of rats exposed to Roundup and its active ingredient glyphosate."Environmental Toxicology and Pharmacology 28.3 (2009): 379-385.
Preparado por:
Plataforma Transgénicos Fora
Fevereiro de 2019
Para saber mais visite www.stopogm.net ou contacte info@stopogm.net